Muitas empresas se deram conta de que o novo arranjo pode ser produtivo – além de proporcionar considerável economia em estruturas fixas. E boa parte dos profissionais estão demonstrando claramente que não querem voltar ao modelo 100% presencial.O exemplo mais evidente disso está na área de Tecnologia da Informação. Extremamente requisitados no mercado atual, esses profissionais estão em condições de escolher como querem trabalhar. E 86,6% deles preferem atuar de forma remota em tempo integral, de acordo com pesquisa recente feita pela plataforma Vulpi com mais de 30 mil desenvolvedores cadastrados – 6,9% apontaram o modelo híbrido como ideal e apenas 6,5% preferem trabalhar presencialmente em tempo integral.

O desafio do engajamento

À medida que se consolida como uma escolha – e não mais como uma circunstância inevitável decorrente da crise sanitária –, o home office precisa mudar de patamar. A fase em que as improvisações eram toleradas está passando. Daqui em diante, certas atitudes e situações deixarão de ser vistas com a mesma naturalidade.

A falta de infraestrutura adequada no escritório doméstico, por exemplo, não será mais aceita. Já houve tempo mais do que suficiente para melhorar o sinal da internet ou comprar uma cadeira adequada. Da mesma forma, os gestores já não têm justificativas para desrespeitar horários e acionar a equipe a qualquer momento.

Há uma preocupação crescente com problemas de saúde que podem estar se agravando silenciosamente enquanto as pessoas mergulham no trabalho doméstico. Os longos períodos de tela sem intervalos comprometem a lubrificação dos olhos, as pernas tendem a sofrer problemas de circulação, o maior sedentarismo contribui para o sobrepeso e a inadequação ergonômica da infraestrutura provoca dores e lesões, como tendinopatias.

Há, também, as dificuldades emocionais, porta de entrada para doenças como ansiedade, estresse e burnout. As pessoas em home office frequentemente se sentem isoladas, sem direção e exaustas diante da mistura desregrada entre trabalho e vida pessoal.

Enquanto isso, uma das maiores queixas entre os gestores é a dificuldade para engajar a equipe à distância. Não por acaso, este tornou-se um dos verbos mais evocados pela área de RH. Um estudo recente do Instituto Gallup enfatizou a relação entre o engajamento dos colaboradores e o aumento de produtividade, com até três vezes mais receita gerada por profissional e um índice 40% menor de rotatividade.

Tecnologia em RH

A tecnologia se apresenta como uma aliada para a consolidação de procedimentos mais estáveis e racionais na gestão de pessoas em meio ao trabalho remoto. Esses serviços são oferecidos pelas startups especializadas em serviços de RH, as chamadas HR Tech.

As perspectivas são extremamente positivas para esse tipo de negócio. Um exemplo é a Mereo, fundada em Belo Horizonte por três sócios egressos da consultoria Falconi, que acaba de receber um aporte de R$ 5 milhões das gestoras de fundos KPTL e Cedro Capital. O objetivo é impulsionar a plataforma que avalia o desempenho pessoal e calcula remunerações variáveis, entre outras funcionalidades.

Para o CEO, Renato Ramalho, uma das missões da HR Tech é tentar antecipar soluções para os problemas que surgirão com a rápida transformação das relações de trabalho. “Esse processo certamente foi fortemente acelerado pela maior disseminação das atividades remotas em decorrência da pandemia”, ele ressalta.

Outra empresa que oferece soluções tecnológicas para o RH é a Colorkrew, criadora do Goalous, software de gestão de metas que, na prática, funciona como uma rede social. Os resultados de cada equipe são compartilhados, ao mesmo tempo em que a plataforma facilita a comunicação entre departamentos e diferentes camadas hierárquicas da organização.

Já a Pontomais oferece aos RHs controle de ponto online e outras soluções para gestão remota. Ao acompanhar automaticamente a jornada de trabalho, o sistema propicia um controle maior das horas trabalhadas. “O mais importante é que os RHs das empresas podem se livrar de algumas burocracias e focar na parte estratégica da atividade, incluindo o desenvolvimento de carreira da equipe”, diz o CEO e fundador da empresa, Hendrik Machado.

Conversar é essencial

Além das ferramentas especialmente dedicadas ao trabalho remoto, o que está em jogo é uma transformação cultural, que exigirá novas habilidades por parte dos profissionais e dos gestores. Para ajudá-los a desenvolver esses atributos, a SmarTalk – empresa especializada em comunicação de impacto e storytelling corporativo – acaba de adquirir a inco, escola de habilidades comportamentais. Um dos objetivos é oferecer mais serviços relacionados ao trabalho remoto, como treinamentos de líderes e soluções customizadas para reinventar os tradicionais modelos de aprendizagem.

Tecnologia certamente é importante nesta nova fase das relações de trabalho, mas a recém-criada startup BrandOn aposta mesmo na velha e boa conversa para superar os gargalos comportamentais que foram se manifestando ao longo da pandemia. “Nossa proposta é colocar todos os integrantes de uma equipe na mesma página”, diz um dos fundadores, Paulo Vieira de Campos, professor nos cursos de MBA Executivo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e Insper. “Esse alinhamento, feito com franqueza e abertura, é o primeiro passo essencial para estabelecer os combinados que levarão essa equipe a obter bons resultados no trabalho remoto.”

O produto oferecido pela BrandOn às empresas são as chamadas “conversas descomplicadas”, oficinas realizadas remotamente e baseadas na metodologia Estruturas Libertadoras. Foi o interesse compartilhado por essa metodologia que uniu Paulo ao sócio na BrandOn, Aldo Wandersman, CEO do Hans Donner Group e autor do livro “E se Você fosse uma marca?”. Aldo vive no Rio e Paulo em Curitiba. “A gente nem se conheceu pessoalmente ainda. A própria BrandOn é resultado direto desses novos tempos de trabalho remoto”, conta Aldo.

Para Paulo, o epicentro das dificuldades relacionadas ao trabalho remoto é uma crise generalizada de confiança – e sem confiança compartilhada não é possível ter um engajamento genuíno e produtivo. “A gente vê no mercado uma preocupação muito grande com ferramentas operacionais relacionadas ao home office, mas o problema certamente está antes disso: é comportamental”, avalia o professor e sócio da BrandOn.